terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Musique – Soundtracks for Pedestrians (2010)

Quem nunca pegou a si mesmo caminhando ao som de uma batida peculiar enquanto fazia um trajeto sem nem ao menos perceber que o estava fazendo? O “Soundtrack for Pedestrians”, novo álbum do Musique, definitivamente possui essa característica mágica de agir como um guia urbano físico e espiritual aos ouvintes e fãs do trabalho. O novo disco do Musique conta com seis belas faixas completamente inéditas e concebidas, produzidas e finalizadas pelo idealizador do projeto - o produtor Musique. Entre outros detalhes, a parafernália digital usada por ele é composta por softwares como, por exemplo, Sonic Foundry Vegas, Cubase, Fruity Loops e muitos plugins, alguns novos e outros que já haviam sido trabalhados durante o processo de confecção do álbum “Sectors” (2008). Além de todo aparato digital, dessa vez Musique investiu muito mais na utilização de elementos humanos como vocais. A ausência de voz percebida até “Sectors” é brilhantemente compensada no novo trabalho com participações de extremo bom gosto e, é claro, com os vocais do próprio Musique. Além disso, tecnicamente falando, a masterização do álbum, que em trabalhos anteriores seguia os padrões de Emílio GoldMic ficaram basicamente a cargo do idealizador e condutor da trama toda. De acordo com o próprio Musique: “o padrão de masterização seguido em processos anteriores visava à utilização das músicas em ambientes onde havia mais necessidade de pressão sonora. Esta é a marca do GoldMic ao fazer masterização. Já para este novo disco procurei um master final mais ‘muscular’ e direcionado ao tema e foco do projeto”, ou seja, músicas em que o transeunte pode apreciar usando seus fones de ouvido. É claro que, mesmo com a proposta diferente, a masterização não deixou a desejar nem alterou a essência musical do projeto como uma seqüência. Um dos detalhes que chama muito a atenção em relação ao processo de criação do “Soundtracks for Pedestrians” é o fato das músicas serem compostas de maneira bastante peculiar: enquanto o responsável pelas idéias anda pela rua. “Eu sempre componho caminhando, a idéia aparece e eu tento traduzir mais tarde”, afirma Musique. As idéias iniciais para este projeto começaram a ser exploradas logo ao final dos trabalhos de finalização do “Sectors”.

Um excelente exemplo para ilustrar a aura do novo trabalho do Musique é a primeira faixa que compõe o álbum, “Helicopters”. A faixa é um relato quase neurótico sobre um indivíduo que vê helicópteros enquanto anda pela rua. O desespero e o estado mental delicado ficam evidentes no refrão “Helicopters/Flying over you/Bringing all the desperation/That you can’t ever go through” repetido timidamente como se fosse uma súplica por uma solução enquanto o assustado e perturbado ser vaga tentando livrar-se das aeronaves. “Eu queria escrever uma letra diferente, algo mais elaborado e sci-fi”, reforça Musique - que experimentou sutilmente com o uso de uma linguagem mais informal assumidamente influenciada por artistas de Rap e Hip-Hop da velha escola. “Helicopters” será a música de trabalho do “Soundtracks for Pedestrians” e pode inclusive dar origem a um videoclipe produzido por Sandro Mendes.

A segunda faixa, “Faithful” (cujo título de trabalho era “Heart”) possui uma transição (involuntária, segundo Musique) brilhante e conta com os singelos vocais de Marina Reguffe. A faixa possui uma bela mensagem sobre fidelidade a si mesmo, aos próprios princípios e sobre auto-evolução. Para Musique, “Faithful é sobre ser você mesmo e não ceder”, assumir as conseqüências e liberar o potencial enrustido dentro de cada um. Ainda de acordo com o letrista, aparar as arestas (“cutting the rough”) e admitir a necessidade de ajuda não são sinais de fraqueza nem de humilhação, mas sim de manter-se aberto aos elementos da oportunidade como é possível verificar em “Liberate the growth/Open door for growth, ‘cause you’ve got one chance...”. Chama a atenção o uso de uma melodia latina, quase flamenca de violão por sobre a massa de elementos climáticos e cósmicos.

Seguindo a linha das participações, a terceira faixa, “Burden” (título de trabalho: ‘Fournotes’), conta com a ótima participação da vocalista da banda Outdate, Karol S. De todas as letras, “Burden” é, quem sabe, minha favorita. Além da complexidade lírica, a qualidade reflexiva da letra é assustadora. A letra inspirada no filme de 2007, “Into the Wild”, dirigido por Sean Penn, narra uma situação semelhante àquela vivenciada pelo jovem Chris McCandless, um norte-americano de classe média que resolve deixar todo frenesi da civilização para trás e encontra refúgio na natureza selvagem. A trama calcada no livro escrito por Jon Krakauer retoma noções de escapismo e inocência muito bem dispostas na letra da faixa “Burden”. Para Musique, o fardo em “Burden” é o de seguir aceitando todos os preceitos oferecidos pela sociedade e pela dita civilização, “é a utilidade posta à prova, sentir-se útil”. Uma das surpresas na produção desta faixa é a utilização de um sample da banda norte-americana 10 Years em uma das camadas ao fundo da pista. O arranjo original foi trabalhado para que os tons se adaptassem ao arranjo da faixa da Musique, dando um ar de naturalidade completa no contexto.

Ao passo em que falo sobre naturalidade, lembro da citação de Musique em relação ao arranjo de “From the Heart”, quarta faixa do álbum: “A From the Heart reitera que a música é eletrônica, mas feita com muito amor”, com o coração pulsante, elemento constante no trabalho completo. Esta foi uma das letras que Musique diz ter feito em um quarto de hotel em São Paulo, sem ouvir a música, encaixando os fraseados de cabeça. A faixa, de linda melodia e ótimos arranjos, liricamente insiste na idéia de não deixar dúvida quanto ao método artesanal de composição mesmo em meio aos elementos menos orgânicos. Mais uma vez temos os belos vocais de Marina Reguffe em uníssono aos vocais de Musique. “Essa faixa tem algumas coisas interessantes”, conta o produtor. “Ela nasceu enquanto eu mostrava para meu sobrinho como usar o Fruity Loops...” Além disso, uma das camadas foi concebida por conta de uma buzina de caminhão, que soou enquanto ele ouvia a música nos headphones: “O caminhão buzinou na hora e ficou perfeito. Depois foi só tentar compor aquele barulho”, completa.

A penúltima faixa do “Soundtracks for Pedestrians”, Urban Pop, “está um passo a frente de tudo que eu já fiz com o Musique”, cita. Todo o orgulho em relação ao trabalho não é infundado. Além de recuperar a temática inicial e a intenção contextual do disco, “Urban Pop” oferece ao ouvinte mais exigente uma gama gigantesca de timbres orgânicos e fluídos que realmente colocam a faixa acima das outras nesse quesito. Mesmo retomando e recuperando elementos da faixa “Morrigan” (o jogo de palavras ‘motion/emotion’), primeira do disco Reverse, de 2005, esse trabalho é visivelmente um dos que mais agrega elementos das novas influências do Musique onde tudo isso faz parte de um “novo capítulo na minha vida... é uma identificação de tudo que o Musique se tornou”, afirma. “Liricamente, ela é a minha ‘What’s My Name’” e prossegue: “É uma coisa interessante trazer uma auto-identificação num quinto álbum”, novamente assumindo beber na fonte Hip-Hop, mas à maneira Musique.

Para finalizar o álbum temos uma faixa que, de certa maneira, recupera um pouco dos trabalhos do “Sectors”, principalmente por não ter uma grande quantidade de linhas de vocal como as faixas anteriores. “Loneliness”, assim como “Burden”, utiliza elementos de outras bandas. A base de teclado e o dedilhado da faixa compõem um sample retirado de arranjos da banda alemã Darkseed, novamente adaptados ao contexto proposto pelo Musique. “Queria fazer uma faixa climática, sem batidas e foi uma boa escolha para ser a outro.”, adiciona. De acordo com ele, “Loneliness” é sobre achar o equilíbrio, sobre encontrar um sonho maior, algo meio utópico e belo como John Lennon haveria de propor que imaginássemos. “Loneliness” é sobre estar longe dos problemas do cotidiano, longe dos problemas que assolam tanto o indivíduo quanto o coletivo no dia-a-dia.

De maneira geral, o álbum nos remete a uma paisagem urbana complexa e antagonicamente serena. Ao mesmo tempo, “Soundtracks for Pedestrians” oferece uma visão introspectiva e reflexiva, mas nunca descartando a possibilidade de mudança para o completo oposto de tudo. A arte da capa e toda concepção artística do projeto ficaram a cargo do talentoso músico e artista J.F. Costa, vocalista e guitarrista da banda Nitrovoid. Mesmo tendo finalizado o disco recentemente, o Musique não parece estar disposto a dar férias aos processos produtivos. De acordo com o produtor, já existe toda uma nova concepção e novas idéias interessantes para a confecção de um novo álbum. O melhor de tudo é que não sabemos se devemos ou podemos esperar uma continuação do trabalho em “Soundtracks for Pedestrians” ou se esperamos por algo completamente inovador. Afinal, como consta na letra de “Loneliness”, “We need to change the route of our lives”.